10 de julho de 2006

O porco como verdade e representação

"45 minutos de orgasmo", pensa Antenor enquanto passa o pano no balcão, olhando para o prato na mesa à frente. O bar está vazio, são cinco da tarde ainda. É o seu primeiro dia de trabalho.

Militar reformado do Exército, Antenor assistia televisão e jogava porrinha com os amigos até que um dia, inconformada, Dona Etelvina se mandou pra Brasília. "Isso não é pensão para quem defendeu o Brasil", dizia Dona Etelvina, e de tanto repetir o bordão - que estava fazendo a fama do casal na Vila Nhocuné -, ela resolveu se juntar ao protesto das esposas de militares por aumento no soldo.

Aquilo foi uma vergonha para Antenor. Para ele, lugar de mulher era na cozinha, ainda mais de militar. Ressabiado ele permitiu que Dona Etelvina fosse visitar uns parentes em Córrego do Bananal, interior de Minas. Mas quando viu Dona Etelvina segurando cartazes e gritando em frente ao Palácio do Planalto, ficou revoltado e envergonhado.

- Isso é que não! - bradou, e resolveu procurar um emprego.

Mas o mundo é cruel com quem tem mais de 40 anos. Comprou o Guia dos Empregos, lia com avidez os classificados do Estadão, e até comprou aquele jornaleco de comunistazinhos para ver se achava alguma ocupação. Mas quando perguntavam sobre as suas habilidades, ele apenas pensava em cavalos, armas, munição, fardamento...

Embebido em sua obsessão por um emprego, descuidou-se da vida à sua volta: já não mais mandava brasa em Dona Etelvina, que arrumou um amante; sua filha tornou-se a mais requisitada na Rua Augusta, enquanto seu filho mais novo se estabelecia como o mais bem-sucedido gerente da boca de fumo do Marcola.

Antenor pediu emprego por 10 anos. E ouviu negativas por 15.

Então, convenceu-se de que era um imprestável, um inútil, um beócio, um pulha. E decidiu tomar coragem para beber até morrer. Entrou no primeiro bar que viu e pediu uma água tônica. Demorou 1 hora para ser atendido, embora o bar estivesse vazio. Quando finalmente o garçom veio trazer-lhe a bebida, ele soltou:

- Se eu fosse seu chefe, você já estaria demitido!

Foi aí que saiu um homem por detrás do balcão, velho decrépito, que disse:

- Repita se for homem.

"O que é uma briga com um velho para alguém que vai morrer com água tônica?", pensou Antenor e cheio de coragem, disse:

- É isso mesmo!

- Está contratado! - disse o velho. Despiu o garçom e ofereceu o uniforme para Antenor, que chorando, agradeceu o velho por 2 horas por ter salvado a sua vida.

"45 minutos de orgasmo", pensa Antenor. Um lágrima escorre pelos olhos, entorpecidos pela lembrança. Tudo isso ocorreu há 5 minutos, e Antenor ainda está rezando ao bom Deus por ter encontrado um emprego. "Um dia ainda terei dinheiro para comer desse Eisbein afrodisíaco", pensa. E, com o canto dos olhos, vê Stolichnaya, Smirnoff e Baikal - as garçonetes russas, bêbadas e desinibidas - entrar no bar, completamente bêbadas e desinibidas. "45 minutos de orgasmo", pensa Antenor. Uma lágrima cai no balcão.

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